Em entrevista concedida, o presidente da OAB Paraná reafirma que a advocacia é a voz forte do cidadão perante o Estado e, por isso, precisa ser fortalecido em tempos de ânsia por punição, para que a sociedade seja bem defendida.Clamor por punição no Brasil pede vigilância por direitos.Além de aplicar o temido Exame de Ordem e fazer o controle disciplinar da profissão, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) tem a defesa da Constituição, da democracia e dos direitos humanos entre suas atribuições – papel que remete à sua histórica participação na campanha das Diretas Já, para citar um de seus capítulos mais emblemáticos.Em tempos de clamor da sociedade por punição e por respostas rápidas da Justiça no Brasil, zelar por estes princípios inclui dedicar uma atenção especial às chamadas “prerrogativas” da advocacia – que asseguram, por exemplo, o sigilo da conversa entre cliente e advogado.As prerrogativas serão o carro-chefe de Cássio Lisandro Telles à frente da OAB Paraná no triênio 2019-2021. O advogado de Pato Branco assumiu a presidência do órgão de classe em janeiro. Em entrevista, ele falou sobre o foco na defesa destas garantias e comentou questões colocadas para o campo dos direitos no atual cenário político e social do País.A depender da gestão, pode-se dar um foco maior ou menor a cada uma das linhas de atuação da Ordem. O que o senhor pretende fazer?Hoje, eu vou cuidar de um carro-chefe que é a defesa das prerrogativas da advocacia. O advogado é a voz do cidadão. O advogado tem um múnus público [dever] e tem de falar pelo cidadão perante o Poder Judiciário de forma destemida. Ele é inviolável em suas manifestações e deve ser inviolável também em seu escritório. E também deve ser inviolável em suas comunicações com o cliente. A gente sempre diz que isso não é um privilégio da advocacia. É uma garantia de que o cidadão pode contar com alguém que possa se impor contra um eventual abuso de poder, contra o arbítrio. E para isso você precisa ter um advogado fortalecido, porque nem sempre o cidadão vai conseguir, por si mesmo, se impor. À medida que você tem um advogado forte, você vai ter uma sociedade bem defendida.Há uma ameaça a essas prerrogativas atualmente?Hoje, você tem uma ânsia muito grande de punir por conta de todos os maus exemplos que a gente viu acontecer no País. É natural que, quando se tem um movimento que procura punir – e a sociedade também começa a exigir respostas rápidas, porque a Justiça às vezes demora demais -, você comece a encontrar ideias no sentido de restringir a defesa, diminuir o campo da defesa para sumarizar o processo. É algo a que a gente está sempre atenta.Que ideias são essas?Por exemplo, o uso de provas ilícitas para se justificar uma condenação. Isso chegou a ser defendido nas dez medidas contra a corrupção. A relativização do habeas corpus. Essas medidas começaram a ser discutidas no Brasil. E você percebe um consentimento não tão esclarecido da sociedade. Mas a sociedade também tem de enxergar que o poder deve ser exercido em nome do povo, e não contra o povo. Então, a Ordem sempre teve esse cuidado de estar vigilante no sentido de que não haja um empoderamento muito grande. Há uma equação: quando o poder começa a ficar muito forte, é porque você está tirando alguma coisa da sociedade, e vice-versa. Você tem que encontrar esse equilíbrio.O Estado brasileiro está se agigantando neste sentido, de uma forma perigosa, até?Não diria, ainda, perigosa. Mas eu diria que iniciativas como as que citei preocupam. Essas medidas não foram aprovadas – foram retiradas, inclusive, do texto das dez medidas. A Ordem atuou bastante neste sentido.Você também vê esta tendência na repressão?Quando o Estado utiliza a força, tem que lembrar de princípios da Constituição que protegem o cidadão. O princípio da presunção de inocência, da vedação do uso de provas ilícitas e da tortura continuam em vigor. Hoje, ainda temos a previsão de que o cidadão, ao ser preso, tem direito de conversar imediatamente com um advogado – e essa conversa tem de ser em sigilo. Isso ainda está na Constituição. O uso da força é necessário, mas não pode ser feito às custas da violação das garantias fundamentais do artigo 5.º da Constituição [Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos]. Tem que haver equilíbrio.Uma questão em que parece haver especial divergência entre o clamor social e o entendimento no meio jurídico é a do encarceramento. Qual é sua visão sobre isso?A leitura que se faz na sociedade, hoje, do sistema carcerário, é uma leitura do quanto pior melhor. Precisamos entender que a pena tem várias funções. A punição e a repressão são uma, mas existe a função da recuperação, que é o ideal maior. O Estado também tem que cuidar da regeneração do encarcerado. Num ambiente prisional como o que a gente vê hoje, extremamente faccionado, o encarcerado está sendo um perigo para a segurança pública enquanto está preso. A sociedade precisa enxergar que, desta forma, nós mesmos, cidadãos de bem, acabaremos sendo vítimas de um sistema prisional que, hoje, por falta de investimento, por falta de organização, acaba se tornando uma escola do crime.Como receberam o pacote anticrime do ministro Sergio Moro?Vamos fazer um estudo aprofundado dessas medidas. Num primeiro momento, a gente percebeu que não há nas novas medidas nenhuma observação ou menção à advocacia, nem mesmo no plea bargain. Não se fala sobre qual seria a participação da advocacia – que é, no tripé do judiciário, encarregada do direito de exercício da defesa. O próprio plea bargain é uma questão nova, que precisa ser discutida. O conceito do medo justificável na criação de novos excludentes de criminalidade [em caso de ações letais de policiais] também é novo e precisa ser melhor analisado. Como disse, são várias medidas que foram propostas e vamos fazer uma análise sobre tudo isso. O que a gente sempre coloca é que deve haver equilíbrio; quando você tem um poder muito forte, há sempre um risco de desvirtuamento, e quem sofre é quem fica sob a égide do poder – a sociedade.Alguma das propostas preocupa mais?O plea bargain. Acho que precisaria, ainda, aprofundar mais. O País ainda não está em condições. Não temos uma defensoria bem estruturada; não temos uma defesa, ainda, com paridade de armas. Acho que teria que passar por uma ampla discussão para haver equilíbrio. A gente não pode pensar só em rapidez e, com isso, sacrificar valores que são fundamentais para o cidadão. Eu diria que é prematuro implementar isso no País. Me parece uma iniciativa de Justiça promovida pela acusação.Quais são os riscos?Mesmo nos EUA, onde isso existe, há críticas a um amedrontamento por parte do Estado, que ameaça punir e aí propõe alguma negociação. E, às vezes, há até inocentes confessando para poderem se livrar de um eventual risco. Acho que tudo isso tem que ser feito, se acontecer, com o fortalecimento da advocacia.Como vê a iniciativa do pacote, como um todo?Medidas para combater a criminalidade não podem ser só medidas de reforma de lei. O Brasil tem outras situações muito mais sérias. O próprio investimento em segurança pública é baixo. A situação carcerária do país é um desastre. Somente endurecer a lei e encarcerar mais não vai resolver o problema da segurança no País. Essa legislação vem não apenas para combater a corrupção, que é um desejo de todos os brasileiros. Há um conjunto de normas muito mais amplo, que afeta a vida de todos os cidadãos. Se houver inconstitucionalidades, vamos combatê-las.A última eleição levantou, em alguns setores, preocupações com retrocessos em direitos humanos. Você vê riscos?A Constituição ainda protege bastante, há garantias que ainda estão aí. Nós temos que comemorar, porque passamos por turbulências, solavancos, denúncias. Mas a gente está indo no caminho da preservação da democracia. Acho que isso é fundamental, e vai avançar. Se você olhar o histórico desde a Constituição de 1988, há uma evolução – a organização dos estatutos da cidadania, o aprimoramento da legislação eleitoral, do combate à corrupção, às organizações criminosas e à lavagem de dinheiro. Você percebe que o Brasil está se organizando. Eu percebo que o horizonte é bom, apesar de muita gente achar que não.O Paraná tem questões que exigem olhar mais atento da Ordem?O Paraná é um Estado diferenciado em relação ao restante do País por sua condição econômica, social. Eu diria que temos a condição de implantar algo que, para mim, é uma chave para o futuro da Nação: a cidadania responsável. Acho que os órgãos da sociedade civil organizada, a exemplo da OAB, das federações e associações, podem implementar, hoje, uma grande política de cidadania responsável através do controle da administração pública. Acho que nós só vamos avançar em termos de combate à corrupção e melhoria da administração pública, à medida que nós, cidadãos, nos interessemos também em acompanhá-la.
Fonte: Por Repórter Alencar Pereira.