O escândalo dos laranjas do PSL caiu como luva como álibi ao clã Bolsonaro voltar à carga. O PSL lançou candidatas de fachada para manipular dinheiro do fundo público de financiamento de campanhas reservado às mulheres. A palavra ‘laranja’ é empregada a quem, ingenuamente ou não, tem seu nome envolvido em fraudes financeiras cujos ganhos são pequenos.
Em reportagem ao Jornal O Globo, 17 de fevereiro, Gustavo Bebianno, então ministro da Secretaria-Geral da Presidência, disse que Bolsonaro é uma pessoa louca, um perigo ao Brasil, e continuou: “quando acabar vou dar satisfações’, avisando que não cai sozinho. O ministro desabafou que considerou uma covardia o fato de Jair Bolsonaro não ter tido coragem para demiti-lo e considerou inaceitável assumir o cargo de diretor em Itaipu quando Bolsonaro lhe ofereceu como compensação. Não esqueçamos de que o Ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio também foi alvo de suspeitas sobre o uso de candidaturas laranja, em Minas Gerais, em 2018.
Tal crise demonstra que o presidente demonstra inabilidade como gestor de crises e operador político. Seus três filhos, iniciando por Flávio (senador) envolvido com Queiroz e milícias; Carlos (vereador) acabou de fritar Bebianno e declarar que anda armado ao lado do pai, e por fim, Eduardo (deputado federal), aquele que gosta de despachar cabos e soldados para fechar o Supremo. Admita-se que a influência dos filhos sobre o presidente é algo incontornável e dá a impressão de que o presidente não comanda nem sua própria cadeira. Quanto aos ministros e pessoal de segundo escalão, vê-se um conjunto de pessoas despreparadas, sem qualificação técnica para administrar questões complexas para um país como o Brasil.
Mudando de assunto, o pacote de combate ao crime de Moro gera preocupação à elevação das penas e à redução de benefícios. Um dos principais problemas da segurança pública é a superlotação dos presídios. De nada adianta elevar penas e trancafiar mais pessoas nas abarrotadas prisões brasileiras se a capacidade de esclarecimento dos crimes não aumentar, e também é preciso assegurar aos acusados meios para se contrapor ao poder do Estado. Dá a impressão de que o proponente do projeto não conhece o sistema prisional brasileiro: não há mais vagas, e lá tornou-se um celeiro de mão de obra às organizações criminosas como o PCC. Um juiz não pode apenas pensar em mandar o réu à prisão, mas articular com seus pares como recuperá-los para retornarem ao convívio em sociedade. Ações assim aumentarão a população carcerária.
Passa a impressão de que faltou ao projeto visão de conjunto do direito penal brasileiro. Também é decepcionante a inclusão no pacote de medidas que ampliam o conceito de legitima defesa e as hipóteses em que os policiais que matam em serviço podem ficar impunes. Essa mudança pode alimentar a violência, em vez de reduzir o crime e os riscos que os policiais enfrentam. Os policiais podem sair livres se matarem um suspeito em razão de escusável medo, surpresa ou violenta emoção. Isso, na prática, permitirá que policiais matem em serviço, passando a impressão de um incentivo à matança indiscriminada em periferias e favelas. Na semana passada, um segurança do Hipermercado Extra assassinou um rapaz em público, foi indiciado apenas como homicídio culposo, pagou fiança e foi para casa.
Outros fatos como a permissão ao juiz de fixar período mínimo de cumprimento da pena em regime fechado viola diversos princípios constitucionais como individualização da pena, dignidade da pessoa humana e princípio da isonomia, sem falar que vai contra a Constituição. Esses fatos devem ter sua constitucionalidade questionada pelo STF. Parece que quer criar um país policialesco, com aparato estatal como máquina do medo, chantagem e extermínio.
É preocupante a mensagem do presidente enviada ao Congresso no início de fevereiro, na abertura do ano legislativo: além de conservar o tom de campanha, a mensagem é confusa e cheia de contrariedades, demonstrando que foi construída por várias mãos, assim como o texto lido em Davos. Na verdade, desde 1º de janeiro, o país tem um presidente que jamais havia ocupado o poder executivo pelo voto; e é visível que ele e sua equipe não têm experiência com a coisa pública.
Bolsonaro é um homem que não pertence às elites nem fez nada de excepcional, mas representa amplamente o homem mediano brasileiro: homem parecido, abandonando a ideia de que aquele que é considerado o melhor deve ser escolhido para governar num conceito baseado na democracia. Percebe-se uma violência anti-intelectualista da nova classe média, que provém de uma falsa educação. O que está acontecendo com o Brasil?