Desde o início da pandemia de COVID-19, ficou evidente que essa doença vai além de um simples problema respiratório. Suas repercussões no sistema cardiovascular têm sido objeto de intensas pesquisas, revelando uma relação complexa entre o vírus, as doenças cardíacas e as vacinas desenvolvidas para combatê-lo.
COVID-19 e o Sistema Cardiovascular
A COVID-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2, utiliza o receptor ACE2 presente em várias células do corpo, incluindo as cardíacas e as dos vasos sanguíneos. Essa interação pode desencadear inflamação sistêmica, danos diretos ao coração e complicações cardiovasculares. Entre as manifestações mais comuns estão:
– Miocardite: Inflamação do músculo cardíaco que pode levar à insuficiência cardíaca e arritmias. Estudos mostram que até 2% dos pacientes hospitalizados com COVID-19 podem desenvolver miocardite. Nos casos graves, a incidência pode chegar a 15%.
– Arritmias: Palpitações e irregularidades no ritmo cardíaco são comuns em pacientes internados, afetando cerca de 17% dos casos graves. Fatores como febre, hipóxia e inflamação sistêmica contribuem para sua ocorrência.
– Tromboembolismo: A COVID-19 está associada a um estado pró-trombótico, com risco aumentado de eventos como infarto do miocárdio, embolia pulmonar e acidente vascular cerebral (AVC). A incidência de eventos tromboembólicos em pacientes hospitalizados varia entre 15% e 30%.
– Descompensação de doenças pré-existentes: Pacientes com hipertensão, insuficiência cardíaca e doença coronariana apresentam risco aumentado de complicações graves e morte. A taxa de mortalidade nesses grupos pode ser até 2 a 3 vezes maior do que na população geral infectada.
Estudos também mostram que o risco cardiovascular persiste mesmo após a recuperação, com um aumento de até 60% nas chances de complicações como infarto e AVC no período de um ano após a infecção, principalmente em quem teve COVID-19 grave.
Vacinas Contra COVID-19 e o Coração
Desde a introdução das vacinas contra a COVID-19, sua segurança tem sido amplamente estudada. De forma geral, os benefícios superam os riscos, especialmente para quem já apresenta comorbidades cardiovasculares. Entretanto, alguns eventos adversos raros foram identificados:
– Miocardite e pericardite: Associadas principalmente a vacinas de RNA mensageiro (como Pfizer e Moderna), a incidência é de aproximadamente 1 a cada 50.000 pessoas vacinadas, sendo mais comum em homens jovens de 16 a 29 anos. Felizmente, os casos tendem a ser leves e resolvem-se espontaneamente ou com tratamento.
– Trombose com trombocitopenia: Relatada com vacinas de vetor viral (como AstraZeneca), ocorre em cerca de 1 a cada 100.000 doses administradas, afetando principalmente mulheres jovens. Essa condição, embora rara, pode ser grave e exige atenção médica imediata.
Apesar dessas raridades, é crucial lembrar que o risco de complicações cardiovasculares da COVID-19 supera amplamente o risco associado às vacinas. Por exemplo, a infecção pelo vírus é cerca de 6 a 8 vezes mais propensa a causar miocardite do que as vacinas.
Por que a Vacinação é Essencial?
A vacinação não apenas reduz as chances de infecção grave, mas também protege o sistema cardiovascular ao evitar as complicações associadas à COVID-19. Além disso, pessoas com doenças cardíacas são grupo prioritário para a vacinação, pois estão entre as mais vulneráveis às formas graves da doença.
Conclusão
A relação entre a COVID-19, as doenças cardiovasculares e as vacinas nos lembra da complexidade dessa pandemia. Embora as vacinas possam ter efeitos colaterais raros, sua capacidade de salvar vidas e prevenir complicações graves é inquestionável. Como cardiologista, reforço a importância da vacinação e do acompanhamento médico para minimizar riscos e preservar a saúde cardiovascular.
A COVID-19 ainda é uma realidade, mas com prevenção e conhecimento, podemos enfrentar seus desafios e proteger nossos corações.
Dra. Caroline Langaro é cardiologista, ecocardiografista e clínica médica, CRM SC 22590, RQE 26871.