Cidadão do bem

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O aumento da miséria e da desigualdade social, diagnosticado após a recessão iniciada em 2015, é reflexo das políticas econômicas erradas. Vive-se o viés das políticas praticadas a partir de 2008 (crise do subprime nos EUA). Se a economia cresce devagar, a desigualdade aumenta. Existe um aumento generalizado da pobreza no Brasil e sabe-se que o governo não tem uma agenda clara à desigualdade e à pobreza.

Quem percebe que o Estado tem funções, que há falhas de mercado ou fala em mobilidade social é considerado de esquerda: falar sobre desigualdade, mobilidade social, identidade de gênero é coisa de comunista. O Brasil há muito perdeu a capacidade de atender às demandas crescentes e legítimas do seu povo. Não há justiça social sem Estado eficiente, e serviços públicos de qualidade e voltados ao cidadão. Insultos gratuitos às universidades públicas, professores e estudantes transformaram em crise o que deveria ter sido mera imposição orçamentária.

Há 12 milhões de pessoas procurando emprego. Em 1980, o Brasil apresentava renda per capita equivalente a 40% da renda per capita dos EUA; hoje, 25%. O país continua dividido, ressentido e contrariado. Acreditou no liberalismo deste governo quem quis ser enganado. Cadê os resultados das Reformas Trabalhista e da Previdência? Cadê a abertura comercial, a grande privatização, a grande Reforma do Estado? Cadê o fim do Sistema S e das desonerações prometidas?

Chegou-se ao final da década com a sociedade entrincheirada aos extremos – e um governo nascido da negação de tudo – dirigida por alguém autoritário e que mistura religião e culto à personalidade ao mesmo tempo em que emergem preocupantes indícios de ligação da família com grupos não aceitáveis.

É razoável pensar que as atuais complicações surgiram a partir do Plano Nacional de Direitos Humanos 2009, onde se propunham mudanças como a transferência da competência da justiça militar à justiça comum para julgar militares. Também aplicavam direitos de livre orientação sexual e identidade de gênero e combate à violência doméstica. Neste documento, o Estado brasileiro reconhece a existência do racismo e aponta iniciativas às políticas compensatórias.

Lá, materializaram-se pautas contrárias à laicidade do Estado, ampliação da posse do porte de armas, posições antigênero, contra a diversidade de orientação sexual e a ampliação do acesso ao ensino superior por parte de jovens negros, pobres, indígenas ou egressos de escolas públicas. Na verdade, os conservadores apoiam a democracia desde que atinjam cidadãos do bem, fundamentada na ideia de que é preciso merecer os direitos. A “pessoa correta” é a merecedora de direitos.

O ano de 2019 foi marcado por grandes protestos em diversos países da América Latina. Governos se viram obrigados a fazer concessões para não cair, tamanha a pressão vinda das ruas. Há pelo menos duas décadas o continente demonstra o mal-estar à estagnação econômica que condena a mediocridade, quando não a pobreza, grande parte da população. Promessas de desenvolvimento e prosperidade só se cumprem aos que já estão no topo da pirâmide. Não é possível governar só para os “cidadãos de bem” e sim para todos!